Wednesday 23 September 2009

A porta dourada

Alexandre foi a Lazarevo um tanto às cegas.
Não tinha mais nada. Literalmente mais nada: nem uma carta nem um bilhete de Dasha ou de Tatiana, comunicando-lhe que haviam chegado a Molotov. Tinha muitas dúvidas quanto a Dasha, mas como vira Slavin sobreviver ao Inverno, tudo era possível. O que o preocupava era a ausência de cartas de Dasha que, quando estava em Leninegrado, passava a vida a escrever-lhe. Agora, Janeiro e Fevereiro tinham passado e não sabia de nada.
Teve de conduzir um camião até Kobona uma semana depois de elas haverem partido. (...)
Lazarevo ficava a dez quilómetros, no meio de densos pinhais.
A floresta não tinha só pinheiros; ulmeiros, carvalhos, bétulas, urtigas e mirtilos acariciavam-lhe os sentidos enquanto caminhava com a mochila, a espingarda, a pistola e as munições, a tenda e o cobertor, o capacete e um saco cheio de comida de Kobona. Distinguia através das árvores a corrente do rio Kama. Ainda pensou em lavar-se, mas chegara a um ponto em que precisava de continuar a avançar.
Enquanto caminhava, ia apanhando mirtilos dos arbustos baixos. Tinha fome. Estava muito calor e havia muito sol. De repente, foi invadido pela esperança. Estugou o passo. (...)
Uma sebe e um lilaseiro largo obstruíam-lhe a vista. As flores roçavam-lhe a cara e o nariz. Inspirando o seu perfume intenso, espreitou. Não viu Dasha em lado nenhum; apenas quatro mulheres idosas, um rapaz, uma rapariga mais velha e Tatiana, que se encontrava de pé.
Ao princípio, nem acreditava que se tratasse da sua Tania. Pestanejou e tentou perceber melhor o que via. Tatiana andava a volta da mesa, gesticulando, mostrando, inclinando-se, debruçando-se. A dada altura, endireitou-se e limpou a testa. Envergava um vestido de camponesa amarelo de mangas curtas. Estava descalça e viam-se-lhe as pernas magras até acima do joelho.Tinha os braços nus ligeiramente bronzeados. O cabelo louro parecia quase branco por causa do sol e estava dividido em duas tranças que lhe chegavam aos ombros, presas atrás das orelhas. Mesmo de longe, notavam-se-lhe as sardas de Verão no nariz. Estava de uma beleza que até doía. E viva.
Fechou os olhos e voltou a abri-los. Continuava ali, debruçada sobre o trabalho do rapaz. Disse qualquer coisa, toda a gente riu em voz altae o braço dele tocou nas costas dela. Tatiana sorriu. Os dentes brancos cintilavam-lhe em harmonia como todo o corpo. Alexandre não sabia o que fazer.
Setinha @ Fuga de Leninegrado "O Cavaleiro de Bronze" - Paullina Simons

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